Posição da Associação ISOC Portugal Chapter, Capítulo Português da Internet Society sobre a Proposta de Decisão da ANACOM, de 11/ 2022, relativa a ofertas “zero-rating” e similares em Portugal no contexto da Internet aberta

Versão completa do documento enviado à ANACOM

A Associação ISOC Portugal vem por este meio comunicar que está globalmente de acordo com a Proposta de Decisão da ANACOM de que os operadores que atuam em Portugal, no âmbito da prestação de serviços de acesso à Internet, devem cessar imediatamente as ofertas “zero-rating” ou similares, por as mesmas configurarem uma interferência no mercado das aplicações que usam a Internet, com implicações nefastas na concorrência aberta a que esse mercado deve estar sujeito, por condicionarem as escolhas dos consumidores e por serem genericamente contra o princípio da neutralidade da rede, dado tratar-se de uma interferência na gestão do tráfego por motivações puramente comerciais, sem qualquer justificação técnica.

Em Setembro de 2017 teve lugar na sede da ANACOM, a convite da mesma, um seminário do ISOC Portugal sobre a nossa posição face a diversos problemas da regulação da Internet em Portugal nessa altura. Nesse seminário, cujos slides de suporte estão em anexo, manifestámos a nossa posição de que as ofertas “zero-rating” ou similares, existentes em Portugal, violavam o princípio da neutralidade da rede e eram uma interferência na concorrência no mercado das aplicações. Assim, não só não podemos deixar de concordar com a atual proposta de decisão da ANACOM, como consideramos que a mesma só peca por tardia. Relembramos o fundamento da nossa posição.

  1. De forma geral, as ofertas residenciais de acesso à Internet existentes em Portugal, providenciadas pelos operadores referidos nesta proposta de decisão, genericamente descritas a seguir como acessos fixos à Internet, providenciam acessos à Internet baseados em tarifas fixas (“flat rate”), geralmente proporcionais à capacidade da ligação contratada pelos clientes. Essas capacidades são elevadas, geralmente iguais ou superiores a 100 Mbps em download, e não existem discriminações comerciais com base na origem ou destino do tráfego, nem do tipo das aplicações que lhe dão origem. Daqui resulta a conclusão de que as redes dos operadores estão genericamente dimensionadas para suportarem essas diferentes categorias e volumes de tráfego.
  2. Pelo contrário, no acesso móvel à Internet, as ofertas são dominadas por acessos baseados em contabilização e limitações do tráfego. Isso é compreensível dado que estes acessos estão dependentes de um recurso escasso e caro, nomeadamente o espetro eletromagnético necessário para o suporte dos mesmos. Como a utilização do espetro nas ligações móveis é, no essencial, proporcional ao volume de tráfego, e como não existem na rede “core” limitações que sejam função dos diferentes tipos de tráfego, pois nesse caso as mesmas também seriam necessariamente consideradas nos acessos fixos à Internet, é evidente que a diferenciação do tráfego introduzida nos preçários de Internet móvel é introduzida com base em razões puramente comerciais.
  3. Por outro lado, em termos de custos de dimensionamento e gestão da rede, não existem diferenças entre os diversos tipos de aplicações, pelo que os preçários praticados têm o mesmo grau de viabilidade económica se todo o tráfego for incluído num único “plafond” indiferenciado, isto é, igual ao somatório de todo o tráfego, diferenciado ou não, como também propõe a ANACOM.
  4. Em conclusão, os tarifários com diferenciação de tipos de tráfego são necessariamente introduzidos por razões comerciais e não técnicas, nem com base em diferentes custos envolvidos na realização do serviço prestado.

Assim sendo, é evidente que essas práticas: configuram uma interferência no mercado das aplicações que usam a Internet, com implicações nefastas na concorrência aberta a que esse mercado deve estar sujeito, condicionam as escolhas dos consumidores, prejudicam os fornecedores de serviços OTT sem poder de mercado, fortalecem o grau de concentração e domínio exercido pelas grandes plataformas tecnológicas que possuem as aplicações mais populares que são contempladas na diferenciação, e em suma, são contra o princípio da neutralidade da rede, dado tratar-se de uma interferência na gestão do tráfego por motivações comerciais, sem qualquer justificação em termos técnicos.

Esta posição é enquadrada pelas posições prévias da ISOC Internet Society (2016) sobre as práticas de zero-rating (atualizadas e adaptadas ao contexto social e tecnológico português e europeu1), já expressa e detalhadamente justificada pela anterior direção da Associação ISOC PT (ver slides anexos) e reiterada pela atual e, finalmente, alinhada com recentes decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (2020) discutidas no documento de referência disponibilizado pela ANACOM3 que dão forma a um quadro regulatório mais esclarecido.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2022
Pela Associação ISOC Portugal,
José Augusto Legatheaux Martins, Nuno M. Guimarães, Hugo Miranda, Alexandre Santos